Teologia
e Internet (CC)
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aos textos)
Introdução
Parece um tanto estranho um
título destes numa página de reflexão teológica. Mas posso explicar facilmente
e julgo que me irão compreender por abordar as implicações que a internet tem
na teologia dos nossos dias.
Já muito se tem escrito sobre os
aspectos positivos e negativos dos contactos pela internet. Uns defendem que
foi um grande contributo para a aproximação de pessoas bem distantes, quer no
espaço, quer culturalmente, enquanto para outros, a internet é um perigo pela
divulgação de falsas informações e até o incentivo à violência.
Pessoalmente, não tomo partido por nenhuma dessas posições. Penso que todas
estas afirmações são parte da verdade, pois a internet é tudo isso, mas como
ferramenta de comunicação, o bem ou o mal, não está na internet, mas na
utilização que lhe dermos.
É inegável que a nossa vida se
tornou mais fácil com a internet, pois podemos contactar com as repartições do
Estado via e-mail e acabaram-se todas, ou quase todas,
as filas para sermos atendidos nos Serviços públicos. Mas o computador também
foi útil às nossas autoridades, até para encobrir os enganos e erros dos nossos
políticos e da “máquina estatal” com a afirmação de que “foi um erro
informático”… Coitado do computador que depois de ser tão útil, até tem de
arcar com a culpa da burrice e corrupção humana.
Mas a minha intenção é somente
meditar nas implicações da internet na teologia em geral. Todos sentimos que a
internet veio mudar radicalmente o estudo da Teologia, a vida nas instituições
religiosas e as convicções dos seus membros.
Implicações no estudo e divulgação da teologia
Um dos aspectos mais importantes
da internet, é que não faz distinção de sexo, nem de raça, nem de
nacionalidade, nem de religião, nem de classe social, nem de idade etc… Claro
que isto é incómodo para certas tradições teológicas.
Num passado não muito distante,
os Seminários e Escolas de Teologia estabeleciam como que um “cânon” do que os
estudantes de teologia deveriam ler. Era geralmente apresentada uma lista dos
“livros aconselhados” pela denominação ou orientação teológica da Escola.
Certamente que os livros que não constassem dessa lista, não pertenciam ao tal
“cânon” da denominação.
Esse problema já quase passou à
história, pois a grande maioria dos estudantes de teologia que tem acesso à
internet, já não pede licença para “dar uma olhada” fora da sua denominação e
até fora da sua religião. Assim, para muitos seminaristas dos nossos dias a
internet é a “janela” por onde os “enclausurados” podem apreciar o mundo
exterior, que afinal é o verdadeiro mundo, onde Jesus viveu e anunciou a sua
mensagem. Para grande parte dos seminaristas dos nossos dias, qualquer
tentativa de condicionar ou limitar a sua livre investigação na internet terá
certamente efeitos contraproducentes. Já tenho recebido mensagens de estudantes
de teologia que me dizem: “Eu não conhecia a sua página na internet, mas o
nosso Professor falou tão mal de si, que todos quisemos visitar a sua página”.
A principal consequência desta
influência da internet na teologia é que no futuro já não será mais possível
cada religião apresentar a “sua verdade” ignorando as outras religiões, pois
vivemos cada vez mais num mundo que, também para a teologia, se tornou numa
aldeia global onde todos podem divulgar a “sua verdade”.
Estive no mês passado na Índia,
país com grande experiência na tolerância religiosa e vi que nas escolas
primárias, as crianças depois de cantarem o hino nacional do seu país, invocam
a Deus, sem mencionar a que deus se referem, cada um
interpretando de acordo com as suas tradições.
O perigo do choque de culturas e
religiões, que já tantas vítimas tem causado ao longo
da história é demasiado grave para poder ser ignorado.
Mas, qual a solução? Geralmente a
maior parte das religiões dirá que a solução é a sua religião alcançar toda a
humanidade. Mas como? À custa de mais violência?
Talvez uma possível solução se
encontre em Alcorão
5:48
Esta tradução foi efectuada a partir do inglês, mas na nova tradução
directamente a partir dos textos originais em árabe para português que está a
ser efectuada na Mesquita de Lisboa, onde está ….. A cada um de vós
temos ditado uma lei e uma norma; e se Deus quisesse, teria feito de vós uma só
nação; porém, fez-vos como sois, para testar-vos quanto àquilo que vos
concedeu. Emulai-vos, pois, na benevolência, porque todos vós retornareis a
Deus, o Qual vos inteirará das vossas divergências. Será traduzido por: … A cada um de vós, nós temos prescrito uma Lei e um caminho
aberto. E se Deus quisesse, teria feito de vós um só povo, mas fez-vos como
sois, para vos testar por aquilo que vos concedeu; portanto, competi uns com os outros nas boas acções. Todos
voltareis a Allah, que então vos esclarecerá a
respeito das vossas divergências.
Este pensamento é semelhante a Mateus
7:15/23
nomeadamente no versículo 20 Portanto, pelos
seus frutos os conhecereis. Também
em Tiago
2:26
… a fé sem obras
é morta, encontramos o mesmo pensamento, que afinal está mais de
acordo com o pensamento do homem dos nossos dias que considera mais importante os frutos das várias religiões que a sua
teologia. Já não basta afirmar que “Deus é amor” se não houver uma demonstração
prática desse amor… Afinal, qual a religião dos nossos dias que não diz que
“Deus é amor”?!
Implicações na vida das igrejas e outras religiões
Penso que os contactos pela
internet poderão ser ainda mais úteis no seguinte:
Devo dizer em primeiro lugar, que
não gosto das reuniões deliberativas das igrejas quando o ambiente se vai
deteriorando e se torna o oposto do que deveria ser um ambiente de sã meditação
e reflexão teológica. Não sei o que se passa nas outras religiões.
Se em vez de se juntar tanta
gente, os contactos fossem através de e-mails pela
internet, haveria uma maior disciplina e responsabilidade nas intervenções.
Vejamos quais os problemas que
seriam solucionados:
1) Falta de pontualidade no
início dos trabalhos, que logo me dá uma má impressão. (Mas talvez eu tenha a
mania da pontualidade.) Esse problema ficaria resolvido, pois todos
continuariam em suas casas ou onde melhor entendessem, com os seus computadores
ligados a partir de determinado dia e hora e todas as mensagens seriam enviadas
para todos os participantes na “reunião”.
2) Indisciplina nas intervenções,
pois embora haja sempre um moderador, também há sempre quem interrompa sem
pedir a palavra, principalmente certos elementos, que são geralmente os mais
indisciplinados, quando entendem que estão acima das normas das reuniões.
Numa mensagem pela internet,
ninguém pode ser interrompido enquanto escreve.
Ao prezado leitor que pense que
me estou a referir à sua igreja no Brasil ou em África, devo dizer que o mal é
geral, ou quase. Eu refiro-me às religiões em geral. Será que a sua igreja é
exceção?
3) Nas reuniões com presença
física, nem sempre a disciplina democrática é a mais justa. Embora se tente dar
a palavra a todos, se numa reunião de 100 pessoas, duas tiverem uma opinião
diferente (que até poderá ser a mais correcta), terão poucas possibilidades de
a apresentar, pois todos têm o direito de falar e só 1/50 das oportunidades
serão para apresentar tal posição, se todos quiserem intervir.
Se em vez da presença física
todos os contactos fossem pela internet, todos poderiam intervir, enviando uma
mensagem para todos os outros, sem necessidade de pedir a palavra e sem limite
de tempo de intervenção.
4) Geralmente há uma forte
pressão psicológica do número e do prestígio dos crentes se forem dirigentes ou
membros muito antigos de cabelos brancos, perante os quais algum jovem
participante pode não se sentir muito à vontade.
É a essa pressão psicológica que
se referem, quando dizem que preferem falar “olhos nos olhos”. Isso nada tem a ver com uma reunião
democrática onde todos são iguais e todos têm direito a um voto. É precisamente
o contrário da calma reflexão no gabinete de trabalho de cada um.
Mas se os contactos forem pela
internet, já será possível filtrar a emoção e pressões psicológicas, dos mais
velhos, ou que têm melhor voz, ou uma personalidade mais forte, pois qualquer
jovem ou crente recém-convertido estará em pé de igualdade com todos os
dirigentes religiosos.
5) Certamente que essas grandes
reuniões, com presença física dos participantes, também têm as suas vantagens
pelos passeios e as refeições nos locais de reunião. Há os aspectos de convívio
que considero importantes, que se perdem numa certa frieza dos contactos pela
internet.
Mas talvez se possa, ou se deva, separar as duas coisas: As reuniões de trabalho,
muito mais económicas e eficientes se forem pela internet, e as reuniões de
confraternização noutras ocasiões.
6) Numa reunião com presença
física, com um plano de trabalhos e tempo limitado, por vezes são tomadas
decisões sob certa pressão, sem o devido tempo para estudar o problema, obter
outras informações e/ou meditar no assunto.
Se os contactos forem pela
internet, depois de receberem uma mensagem, têm o tempo que quiserem para
estudar o assunto antes de responder, pois a resposta tanto poderá ser no
próprio dia ou nos dias seguintes, desde que seja fixada previamente uma data
limite para dar o assunto como encerrado. Salvo alguns casos mais específicos,
já não funciona o sistema de deixar para o fim os assuntos que não convém
abordar, para os deixar para a “próxima reunião, por falta de tempo”, pois nos
contactos pela internet há sempre tempo e sempre há espaço para tratar de todos
os assuntos.
7) Em vez de se abordar um
assunto de cada vez até à deliberação final, como é norma numa reunião com
presença física dos seus participantes, pela internet seria possível abrir
vários assuntos em simultâneo com mensagens diferentes (desde que não
obedecessem a uma sequência de decisões interdependentes), sendo as respostas
enviadas pela tecla “responder a todos” que os computadores se encarregariam de
“arquivar” nos lugares respectivos.
8) Uma intervenção escrita,
geralmente é mais ponderada, o que se traduz numa economia de tempo, evitando-se
a repetição dos mesmos argumentos.
9) Pela internet, tudo fica
registado, em relação a determinado assunto ou mensagem.
Todos os anos faço uma limpeza na
minha caixa de correio electrónico, mas as mensagens importantes não apago.
Assim é possível “lembrar” o que afirmei há anos com a precisão do
ano/mês/dia/hora/minuto.
10) Quem estiver no estrangeiro
teria a mesma vantagem do vizinho do lado, salvo o incómodo da diferença
horária.
Conclusão
Penso que é de esperar grandes
alterações no funcionamento das organizações religiosas, com as novas
possibilidades que a internet nos concede.
Claro que haverá forte reacção,
como sempre acontece quando é alterada a rotina a que muitos se habituaram.
Muitas correntes religiosas ficarão agarradas às suas antigas tradições e
acabarão por desaparecer. Mas a eficiência dos novos meios de comunicação e
também o aspecto económico, pois os contactos pela internet, além de mais
eficientes, são também mais económicos, acabarão por afectar a vida dessas
organizações religiosas no futuro e tal já está a acontecer.
Camilo Coelho – Marinha Grande
Fevereiro de 2012
Mensagens
recebidas
Leonardo
Bueno
– em 2012-02-14
Crente presbiteriano de Belo
Horizonte –Brasil
Prezado irmão Camilo
Posso dizer que sua página foi
uma das pioneiras no sentido a me incentivar a buscar informações fora dos
arraiais do tradicionalismo eclesiástico. Hoje, minha convicção religiosa onde
Jesus é a chave hermenêutica, tem sido algo que me faz uma pessoa mais
consciente daquilo que o Mestre da Seara espera de mim.
Lembro com gratidão, quando li no
ano 2000, um “debate” acerca do dízimo onde você defendeu sua posição, com uma
proposta nada “ortodoxa” aos olhos do movimento evangélico atual.
Outras páginas como caiofabio.net
e baciadasalmas.com (aos quais lhe indico), são exemplos da nossa terra, o Brasil, que teologia não
tem fronteiras, muito mais na era da internet...
Um forte abraço e fica na paz
José
Luiz Batista –
em 2012-02-14
Curitiba – Paraná - Brasil
Caro irmão Camilo. Paz!
Para nós foi muito importante a
sua reflexão sobre a utilização dos recursos da internet.
Há que considerar a influência da
cultura de cada país antes de tomar como regra geral as suas observações. Achei
emblemático o exemplo da India. Na nossa comunidade alguns adolescentes
frequentam uma escola formal pública destinada a pessoas de baixa renda, cuja
administração é confiada a um grupo espírita/kardecista. Outro dia uma aluna me
revelou que antes das aulas todos se reúnem no pátio para ouvir uma oração e
receber um “passe”, e perguntou como ela deveria se comportar. Orientei-a a
proceder como os demais são orientados a fazer: curvar a cabeça e fechar os
olhos, e, durante a oração orar intimamente ao seu Deus; se o “passe” for uma
coisa má, Deus a estará protegendo, mas, se for uma coisa boa ela estará
recebendo benção em dobro.
Soubemos que o Brasil é o segundo
país do mundo em acesso à internet, mas, o que temos visto com frequência é a
promiscuidade de jovens da nossa comunidade frequentando sites
inúteis e danosos ao caráter por falta de uma segura orientação em casa, na
escola e na igreja. Ampliando esta reflexão, a maioria das instituições
teológicas, mesmo aquelas ligadas às denominações tradicionais, recebem
seminaristas oriundos de comunidades contaminadas pelo mal e se vêem até
obrigadas a promover uma faxina mental antes de concordar em deixa-los “livres
para pensar”. Mas, chego a imaginar que talvez seja melhor deixá-los descobrir
o caminho pela via da própria experiência do que se tornarem novos fantoches da
manipulação religiosa que é ministrada em faculdades e escolas teológicas
“caça-níqueis” á serviço de algumas denominações que não são mais do que
supermercados da fé.
Sim, a internet é um valioso
instrumento de relações humanas e muito útil a serviço da verdadeira teologia.
Infelizmente, o anonimato do internauta facilita a corrupção dessa benção.
Com um abraço do
José Luiz.
Fábio
Dantas
– em 2012-02-15
Rio de Janeiro - Brasil
Caro amigo Camilo, sua página é
uma referência para aqueles que buscam algo fora do tradicional, algo que nos
faça pensar, sair do ambiente da área de conforto e nos confronta com diversos
assuntos.
Este sobre o uso da internet tem
dois pontos que achei fundamentais: O primeiro é que esta
ferramenta, querendo ou não, todos nós vamos usar um dia, cabendo ao
usuário, ou futuro usuário, escolher como fará uso disso. O outro que atinge
diretamente a teologia é, até onde, e quais as religiões e denominações podem
conviver em harmonia?
Sou um extremo respeitador das
religiões de um modo geral. Porém temos conhecimento de que nem todas as
religiões e denominações tiveram seu início de forma genuína. Quem faria esta seleção???
Deixo para os leitores uma grande
questão. Sei que as religiões têm como objetivo principal, a busca de Deus, o
crescimento humano e seu desenvolvimento. Mas será que todas se enquadram neste
perfil???? Será que todas são confiáveis???
Agradeço o espaço... Amo todos
vocês que buscam a Deus e sabem que estamos longe de sermos perfeitos, porém
gostaríamos de a cada dia melhorarmos um pouco.
Abraço em todos.
David Oliveira – em 2012-02-15
Goiânia - Brasil
Caro Camilo,
Li com atenção o teu artigo e
como é de costume, encontrei coisas inusitadas que não encontramos nos redutos
religiosos que normalmente frequentamos.
A internet exige de nós a
responsabilidade pessoal de saber como usá-la, a coragem de ir além do que
fomos conduzidos ou instruídos, consequentemente tirar as nossas conclusões e
tomar partido daquilo que nos foi conscientemente acrescentado. Nela não há
“muletas doutrinárias”, versículos de efeitos normalmente pinçados das
caixinhas de promessas, listas de temas bibliográficos sugeridos, autores
indicados, aconselhamentos e reprimendas pastorais por comportamentos “não
viáveis” a membros etc.
Quando começamos a mergulhar
teologicamente na internet, imediatamente percebemos que tudo aquilo que nos
foi passado na igreja, teve o propósito de direcionar todas as referências e
ensinos para a adaptação de sua cartilha de compreensões internas.
Inevitavelmente todo aquele conteúdo de aprendizado denominacional
se faz a olhos vistos incompleto.
Como a liberdade na internet é
total e irrestrita, de repente nos vemos expostos a um universo de pedagogias
teológicas que nos dá a possibilidade de crescimentos isentos de facções
doutrinárias e ao mesmo tempo, o amadurecimento relacional com Deus.
Por fim, é necessário dizer que
já está passando da hora de conscientizarmos e de assumirmos a responsabilidade
pessoal que a Bíblia nos impõe, segundo I Pedro 2:5-9 Vós também, como pedras vivas, sois edificados
casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais
agradáveis a Deus por Jesus Cristo...Mas vós sois a geração eleita, o
sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as
virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.